“Modernist’s decentering? Periphery’s voice and turn in Sergio Vaz’s Manifesto ”
The special issue on the Centenary of Week of Modern Art in Brazil closes its cycle today with the publication and translation of the Manifesto of the Periphery’s Anthropophagy, authored by the poet and cultural producer Sérgio Vaz. This text was written in September 2007, on the eve of the first Periphery’s Week of Modern Art, which took place in São Paulo from  November 4th to 10th of the same year, as a repercussion of cultural and artistic initiatives that caused a stir in the cultural scene in São Paulo’s periphery at the turn of the millennium and the first decades of the 21st century.
Together with Julie Dorrico’s manifesto, translated and published here a few weeks ago, Sergio Vaz’s text also joins the voices of groups of artists who claim what the critic Antonio Candido called “socialization of intimate impulses” to express “the most understanding and certain criterion of participation in the social and spiritual life” of a society in movement, leading to “the need to readjust literary [and from other types of art] expression to the new intellectual aspirations and solicitations of artistic change”, to esthetically the plural sociocultural experience of everyone and all who live in it.
Hence, it is not enough to just revolutionize the languages and forms of aesthetic representations of daily life. It is crucial, as Florestan Fernandes warned us, that the culture of the native peoples and the simple people have a voice and turn in society, without being relegated to the register of the exotic, but that it rises to the condition of the legitimate interlocutor of other types of social and aesthetic consciousness manifestation. Only in this way will the promises of modernism(s) to make modern men and women feel at home in a world in constant change, becoming not only objects but also subjects of its transformations, will be able to see the emergence of its best fruits. It is in this context that the Periphery’s Anthropophagy Manifesto and also the Manifesto of the Contemporary Indigenous Literature assume the contours of important documents for new strands and for possible (re)visions of modernism in the 21st century.
Drawing our attention to the relevance of these debates around Brazilian modernism and the importance of reflecting on them today is what motivated us to organize this issue on the 100th Anniversary of the Week of Modern Art. After all, what other task is up to art if not to help to create other imaginable worlds and thus make this real world more human and livable? The invitation to reflect on this remains open. Enjoy the reading!

Conrado Pires de Castro

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“Periphery’s Anthropophagy Manifesto”

 

by Sérgio Vaz*

 

Translated by Giovanna Imbernon

Edited and reviewed by Claudia Pires de Castro and Giovanna Imbernon

Organized by Dr. Conrado Pires de Castro

 

 

 

Periphery unites us through love, pain, and color.

From alleys and narrow streets shall echo the voice shouting against

the silence punishing us.

Lo and behold, emerge the hills of the beautiful and smart people

galloping against the past.

In favor of a clear future for all Brazilians.

In favor of the suburb that clamors for art and culture, and university for diversity.

Agogôs and tamborins[i] playing along with the violins, just after class.

Against the art sponsored by the ones who corrupt the freedom of choice.

Against the art made to destroy critical sense, emotion, and sensitivity that rise from multiple choice.

The Art that sets free can’t come from the hand that enslaves.

In favor of the batuque[ii] from the kitchen that comes from the kitchen and the ma’am doesn’t like.[iii]

Of the peripheral poetry that blossoms at the door of bars.

Of the theater that has nothing to do with “to have or not to have…”

Of the real cinema that conveys illusion.

Of the Plastic Arts that, concretely, wants to replace the wooden slums.

Of the Dance that eases at the swan lake.

Of the Music that does not lull the sleeping ones.

Of the Literature from the streets waking up on the sidewalks.

The Periphery united, in the center of all.

Against the racism, intolerance, and social injustice that the art of

today does not talk about.

Against the deaf-mute artist and the letters that do not speak.

One must extract from art a new type of artist: the citizen-artist.

The one who does not revolutionize the world in their art, neither agrees with

the mediocrity reducing to idiocy the people with no opportunities.

An artist serving the community, the country.

Who armed with the truth, on their own, practices revolution.

Against the Sunday art that evacuates in our living rooms and hypnotizes us in

the armchair’s seat.

Against the barbarianism of not having libraries, cinemas,

museums, theaters, and spaces for cultural production.

Against the kings and queens of globalized castles and large hips.

Against the capital ignoring the inside in favor of the outside.

Miami for them? “Me ame[iv] for us!”

Against the torturers and victims of the system.

Against the cowards and scholars living in bubbles.

Against the servant-artist, slave of vanity.

Against the vampires of public funds and private art.

The Art that sets free can’t come from the hand that slaves.

For a Periphery that unites us through love, pain, and color.

IT’S ALL OURS!

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[i]TN: Musical instruments used in African-American rhythms.

[ii] TN: Rythm from drums.

[iii] TN:  The author refers to João da Baiana’s famous samba lyrics called “Batuque na cozinha” wrote in 1917 and recorded in 1968 with Pixinguinha. The song is also famous in Martinho da Villa’s voice. See: Rocha, Oswaldo Porto. “A cidade Maravilhosa.” In A Era das Demolições. Rio de Janeiro: Secretaria Municipal de Cultura, 1995.

[iv] NT: The author plays with the pronunciation of “Miami” and “Me ame” (Love me) read the same way in Portuguese  [ˈmɛ ˈɐmi].

 

 

References

Nascimento, Erica Peçanha. “É tudo nosso! Produção cultural na periferia paulistana.” PhD diss., Faculty of Philosophy, Languages and Literature, and Human Science of the University of São Paulo, 2012.

Vaz, Sérgio. Colecionador de Pedras. São Paulo: Global, 2007.

Vaz, Sérgio. Literatura, pão e poesia. São Paulo: Global, 2011.

Vaz, Sérgio. Flores de Alvenaria. São Paulo: Global, 2016.

 

 

*Sérgio Vaz is a poet and cultural producer, founder of COOPERIFA (Cooperativa Cultural da Periferia/Cultural Cooperative of the Periphery) and one of the creators of the Semana de Arte Moderna da Periferia (Periphery’s Week of Modern Art). he published several books and his most recent ones are Colecionador de Pedras (2007) , Literatura, pão e poesia (2011) and Flores de Alvenaria (2016).

 

 

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Portuguese version

 

“Descentramentos modernistas? vez e voz da periferia no manifesto de Sergio Vaz”

 

A edição especial sobre o centenário da Semana de Arte Moderna no Brasil fecha seu ciclo hoje com a publicação e tradução do Manifesto da Antropofagia Periférica, de autoria do poeta e produtor cultural Sérgio Vaz. Este documento foi escrito em setembro de 2007, às vésperas da realização da primeira Semana de Arte Moderna da Periferia, realizada em São Paulo entre 4 a 10 de novembro do mesmo ano, como desdobramento das iniciativas culturais e artísticas que movimentaram a cena cultural da periferia paulistana da virada do milênio e das primeiras décadas do século XXI.
Junto com o manifesto de Julie Dorrico, traduzido e publicado aqui há algumas semanas, o texto de Sergio Vaz também entoa a voz autoral de grupos de artistas que reivindicam aquilo que o crítico Antonio Candido chamava de “socialização de impulsos íntimos” a expressar “o critério mais compreensivo e certo da participação na vida social e espiritual” de uma sociedade em movimento, levando “à necessidade de reajustar a expressão literária [e de outras artes] às novas aspirações intelectuais e às solicitações da mudança artística”, de modo a captar esteticamente a pluralidade da experiência sociocultural de todas, todos e todes que nela vivem.
Para tanto, não basta apenas a revolução das linguagens e das formas de representações estéticas do cotidiano. É imprescindível, como advertia Florestan Fernandes, que a cultura dos povos originários e da gente simples tenha voz e vez na sociedade, sem que seja relegada ao registro do exótico, mas que se eleve à condição de interlocutora legítima de outras modalidades de manifestação da consciência social e estética. Só assim as promessas do(s) modernismo(s) de fazer com que mulheres e homens modernos se sintam em casa num mundo em constante mudança, tornando-se não apenas objetos, mas também sujeitos de suas transformações, poderão ver nascer seus melhores frutos. É neste contexto que o Manifesto da Antropofagia Periférica e também o Manifesto da Literatura Indígena Contemporânea assumem os contornos de documentos importantes para as novas vertentes e para (re)visões possíveis do modernismo para o século XXI.
Chamar a nossa atenção para a relevância destes debates em torno do modernismo brasileiro, e para importância de refletirmos sobre eles nos dias de hoje, foi o que nos motivou a organizar essa edição sobre os cem anos da Semana de Arte Moderna. Afinal, que outra tarefa caberá a arte senão ajudar a criar outros mundos imagináveis e assim tornar este mundo real mais humano e habitável? O convite à reflexão continua aberto. Aproveitem a leitura!

Conrado Pires de Castro

 

“Manifesto da Antropofagia periférica”

 

 

por Sérgio Vaz 

 

 

A periferia nos une pelo amor, pela dor e pela cor.

Dos becos e vielas há de vir a voz que grita contra o

silêncio que nos pune.

Eis que surge das ladeiras um povo lindo e inteligente

galopando contra o passado.

A favor de um futuro limpo, para todos os brasileiros.

A favor de um subúrbio que clama por arte e cultura, e

universidade para a diversidade.

Agogôs e tamborins acompanhados de violinos, só

depois da aula.

Contra a arte patrocinada pelos que corrompem a

liberdade de opção.

Contra a arte fabricada para destruir o senso crítico, a

emoção e a sensibilidade que nascem da múltipla

escolha.

A arte que liberta não pode vir da mão que escraviza.

A favor do batuque da cozinha que nasce na cozinha e

sinhá não quer.

Da poesia periférica que brota na porta do bar.

Do teatro que não vem do “ter ou não ter…”.

Do cinema real que transmite ilusão.

Das artes plásticas, que, de concreto, querem substituir

os barracos de madeiras.

Da dança que desafoga no lago dos cisnes.

Da música que não embala os adormecidos.

Da literatura das ruas despertando nas calçadas.

A periferia unida, no centro de todas as coisas.

Contra o racismo, a intolerância e as injustiças sociais

das quais a arte vigente não fala.

Contra o artista surdo -mudo e a letra que não fala.

É preciso sugar da arte um novo tipo de artista: o

artista -cidadão.

Aquele que na sua arte não revoluciona o mundo, mas

também não compactua com a mediocridade que

imbeciliza um povo desprovido de oportunidades.

Um artista a serviço da comunidade, do país.

Que, armado da verdade, por si só exercita a revolução.

Contra a arte domingueira que defeca em nossa sala e

nos hipnotiza no colo da poltrona.

Contra a barbárie que é a falta de bibliotecas, cinemas,

museus, teatros e espaços para o acesso à produção

cultural.

Contra reis e rainhas do castelo globalizado e quadril

avantajado.

Contra o capital que ignora o interior a favor do

exterior.

Miami pra eles? “Me ame pra nós!”

Contra os carrascos e as vítimas do sistema.

Contra os covardes e os eruditos de aquário.

Contra o artista serviçal escravo da vaidade.

Contra os vampiros das verbas públicas e da arte

privada.

A Arte que liberta não pode vir da mão que escraviza.

Por uma Periferia que nos une pelo amor, pela dor e

pela cor.

É tudo nosso!

Referências

Nacimento, Erica Peçanha. “É tudo nosso! Produção cultural na periferia paulistana.” Tese de Doutorado, Faculdade de Filosofia, Ciências Humans e Letras da Universidade de São Paulo, 2012.

Vaz, Sérgio. Colecionador de Pedras. São Paulo: Global, 2007.

Vaz, Sérgio. Literatura, pão e poesia. São Paulo: Global, 2011.

Vaz, Sérgio. Flores de Alvenaria. São Paulo: Global, 2016.

 

*Sérgio Vaz é poeta e produtor cultural, criador da COOPERIFA (Cooperativa Cultural da Periferia) e um dos idealizadores da Semana da Arte Moderna da Periferia. Tem vários livros publicados, dentre os mais recentes Colecionador de Pedras (2007) , Literatura, pão e poesia (2011) e Flores de Alvenaria (2016).